“Morramos dentro da armadura, como diz o rei Macbeth.” (Sigmund Freud)

Freud, em março de 1910, bem antes de sua morte – que ocorreu em setembro de 1939 –, escreveu uma carta a um de seus melhores amigos, Oskar Pfister, pastor protestante da Suíça, na qual confessa seu medo de ter que enfrentar, em algum momento, uma enfermidade que o levasse a viver “num tempo em que os pensamentos falham e as palavras não querem fluir”. Freud acrescenta: “tenho um desejo secreto – de modo algum uma enfermidade prolongada, nenhuma paralisia da capacidade produtiva por um sofrimento corporal”. O medo dele não era a morte. Tinha receio de viver sem poder pensar sobre a condição humana, o mal-estar da civilização, e de não continuar dando consistência aos fundamentos da psicanálise. Nessa mesma carta, Freud revela sua relação com o trabalho: “Não consigo imaginar como algo agradável viver sem trabalhar. Fantasiar e trabalhar, para mim, estão juntos, e nada me agrada mais do que isso”.

Nos últimos anos de sua vida, ele precisou se submeter a mais de trinta cirurgias para combater um câncer na mandíbula. Um sofrimento que se prolongou por mais de quinze anos. Com os recursos limitados da medicina e da farmacologia da sua época, e vivendo à base de morfina, Freud não deixou de trabalhar. Entre as suas últimas obras, estão “Moisés e o Monoteísmo” e o “Compêndio da Psicanálise”, textos essenciais para o saber psicanalítico.

Freud – mesmo diante do receio de uma enfermidade grave – afirma: “Morramos dentro da armadura, como diz o rei Macbeth”. É uma maneira de dizer que cabe ao ser humano morrer lutando. Sem se entregar facilmente e sem garantias de vitórias. Nas lutas cotidianas, vencer é uma das possibilidades! Não a única. As derrotas também fazem parte da vida e, quando se transformam em aprendizados, são importantes para os novos enfrentamentos. Sabemos que nem sempre há a opção de morrer lutando. Em algumas situações, especialmente após acidentes ou enfermidades raras, o corpo impõe limites, e a vida se torna vegetativa. Isso, porém, é a exceção. A maioria das pessoas tem as condições para se manter em luta, mesmo quando as circunstâncias são desfavoráveis e os recursos mínimos.

Nas lutas que marcam e demarcam a nossa existência, é bom contar com o apoio de amigos. Freud, por exemplo, pôde contar com a bela amizade do pastor Oskar Pfister. Em uma carta a Freud, em outubro de 1925, ele usa o espaço que uma amizade permite para ‘dar uma dura’ no amigo, que andava reclamando muito da velhice. Pfister escreveu: “Há mais de decênio o senhor me escreveu, na forma de elegia, que teme um tempo de involução intelectual. E desde então o senhor desenvolveu uma fecundidade e grandeza incrível. Neste contexto, não sei ao certo se significa mais maldade ou amor o fato de que eu não possa, neste momento, reunir necessária reverência diante de suas reclamações pela velhice”. Ao considerar a produção de Freud nos quase quatorze anos que se seguiram após essa carta, é fácil perceber que o ‘chacoalhão’ de Pfister provocou resultado.

Essa é uma das dimensões da análise. Sacudir. Desinstalar. Ajudar as pessoas a sair da posição de queixa imobilizadora diante de um sofrimento – por mais intenso e angustiante que seja. A queixa nunca é o melhor lugar para fixar residência. Análise não é espaço para compaixão. É escuta e acolhimento, para permitir ao analisando a invenção de respostas singulares na maneira de habitar o mundo.

Dr. Clovis Pinto de Castro, diretor da clínica Caminhos da Psicanálise.