“Uma análise avança descobrindo o quanto a vida que se tem não cabe na vida que se leva”. “Freud denomina pulsão essa exigente presença sem corpo, na morada do eu. É um conceito mítico, segundo ele, exatamente por nomear aquilo que acontece fora dos limites do dizível. A hipótese freudiana do inconsciente sustenta, porém, que apesar deste real não ser representável, tomado pelo sentido, ele pode se fazer, aqui e ali, representar. Dessa forma, um significante representa a pulsão sem guardar com ela nenhuma relação de semelhança, ele o faz, segundo Lacan, ao modo dos diplomatas que representam seu país. A representação freudiana não é mimesis. O inconsciente é feito, portanto, de susto, mas igualmente de encontro com a força da pulsão se apresentando, intensa, em pedaços de fala, o que leva Lacan a defini-lo como “hiância e texto”. Este texto é o do saber inconsciente. Apesar de estar conosco, recusa-se a dormitar, dócil, em nossos guardados da memória, ao alcance da mão, pois é feito de pedaços de lembrança não encampados pelo eu, não assumidos na primeira pessoa. Não tem a espessura da subjetividade, exatamente por guardar um “a mais” de vida que teima em não se inscrever no campo do compreensível. São fiapos de histórias, fotos amareladas, brilhos caleidoscópicos, coisas que não conseguimos esquecer sem, no entanto, poder dizer que realmente as vivemos, fragmentos de sonhos de nomes e de sabores”.
Fonte: Vieira, Marcus André. “Do afeto à paixão (a representação freudiana e o bem-dizer de Lacan)”, in: http://litura.com.br/artigo_repositorio/do_afeto_a_paixao__representacao_freudia_1.pdf