No final da década de 1980, assisti “Asas do Desejo”, do diretor Wim Wenders, premiado em Cannes, e considerado um dos mais inquietantes filmes sobre a condição humana. Mais tarde, foi adaptado por Hollywood em “Cidade dos Anjos”. Retrata a relação entre os anjos, vistos como seres eternos e imortais, e os humanos, seres finitos e mortais. As cenas em que os anjos aparecem estão em preto e branco para simbolizar um mundo sem emoções e regado pelo tédio de uma eternidade opaca. São seres desencarnados, assexuados e, de acordo com o crítico de cinema, Marcelo Vinícius, “condenados a testemunhar com inveja a encarnação alheia”. Um deles, Damiel, ao se apaixonar por uma mulher, opta pela finitude. Demonstra não suportar mais o peso de uma “eternidade sem cor”. Quer vivenciar as emoções que são próprias aos humanos. Mário Quintana dizia que só na morte o ser humano pode alcançar “uma libertação total”. É “quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos”. É o momento que se desobriga de normas e regras, das exigências do cotidiano, das ocupações e preocupações próprias do viver, entre elas, o medo de morrer. Mas, é também a ausência total do que faz pulsar a vida: amar, desejar, querer, não querer, sentir medo, frio, tocar e se deixar tocar, pagar contas, acordar, recordar, fantasiar. Tudo aquilo que nos torna humanos, inscritos na civilização. Era isso que o anjo Damiel desejava. Simplesmente, ser mortal. No texto “Considerações atuais sobre a guerra e a morte” [1915], Freud diz que “A vida empobrece, perde algo de interesse, quando a mais elevada aposta no jogo da vida, isto é, ela mesma, não pode ser arriscada”. A vida exige riscos e rabiscos. Clovis Pinto de Castro
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