A frase “eu acredito na ciência” se tornou uma das mais populares nas redes sociais. É uma forma (in)direta de dizer: “não sou terraplanista, obscuro, ignorante”. Sigmund Freud acreditava na ciência. Preocupou-se em dar à psicanálise um status científico. Entendia a ciência como única resposta possível frente a qualquer forma de obscurantismo. Se estivesse no Instagram, marcaria os seus posts e textos com a hashtag #EuAcreditoNaCiência. Parte da sua vida foi dedicada a pesquisas nas áreas da fisiologia e da neurologia. No texto “O futuro de uma ilusão”, de 1927, afirma: “Nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo que a ciência não nos dá podemos conseguir em outro lugar”. Não era uma crença cega. Precisou lidar com a parcialidade da ciência. Nas considerações sobre a guerra e a morte, em 1915, Freud realça que: “Até mesmo a ciência perdeu sua desapaixonada imparcialidade; profundamente exasperados, seus servidores buscam extrair-lhe armas, para dar contribuição à luta contra os inimigos”.
Jacques Lacan coloca a ciência entre os ofícios impossíveis apontados por Freud: educar, governar e psicanalisar. Ofícios que estão na esfera da imprevisibilidade. Lacan percebeu a angústia dos cientistas diante da probabilidade do planeta ser destruído por “bactérias resistentes a tudo, que não pudessem ser mais detidas”. No texto “O triunfo da religião”, 1974, pontua: “Há uma coisa que Freud não falou, porque era tabu para ele, a saber, a posição do cientista. É igualmente uma posição impossível, só que a ciência não faz ainda a menor ideia disso, e esta é a oportunidade. Somente agora os cientistas começam a ter crises de angústia”. Lacan, sendo Lacan, completa: “Mas é divertido ver nestes últimos tempos alguns cientistas que trabalham em laboratórios seríssimos alarmarem-se de repente, ficarem com medo, o que significa ter um cagaço”. Para Lacan, a ciência também se defronta com o Real. Se angustia quando as coisas não funcionam. Há um não saber na ciência, um inominável, algo que escapa em suas pesquisas ou naquilo que produz.
Afirmar “eu acredito na ciência” exige uma implicação do sujeito em sua fala. Não deveria ser um mantra ou uma crença em uma deusa infalível, onipotente, detentora de todos os saberes, salva no Monte Olimpo, longe das peripécias humanas. A ciência não é imparcial, neutra, imaculada. Às vezes, se perde no caminho. Entra no jogo do mercado, da política. Precisa ser paga, financiada, mensurada. Acreditar na ciência é uma aposta com riscos. Ainda assim, a menos arriscada. O maior risco é se fixar no obscurantismo anticientífico alimentado, como diz Lacan, por uma paixão pela ignorância. Eu acredito na ciência e, quando chegar a minha vez, vou me vacinar.
Clovis Pinto de Castro