Em um mundo onde a competitividade e o individualismo são marcas registradas, é essencial cultivar e valorizar as amizades. Ter uma rede de suporte afetivo e fazer parte de relações de confiança faz bem para todos nós. Contar com o apoio dessas pessoas traz conforto e alegria, e, em alguns casos, elas podem se tornar mais próximas do que os membros da própria família. Segundo a tradição judaica: “um amigo ama em todo o tempo; um irmão nasce para o tempo da adversidade”. O mestre Vinícius de Moraes sintetizou bem a importância dos amigos em nossas vidas: “enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! A alguns deles não procuro, basta saber que existem. Esta mera condição me encoraja em seguir em frente pela vida… mas é delicioso que eu saiba e sinta que eu os adoro, embora não declare e os procure sempre”.

Alguns vocábulos gregos nos ajudam na compreensão alargada do valor da amizade. Por exemplo, a palavra amigo é a tradução de philos, que em sua origem etimológica significa aquilo que é “caro, dispendioso e valioso”. Philia é a expressão grega usada para “amizade”. O verbo phileo pode ser traduzido por amar, no sentido de mostrar profunda afeição por alguém. Pela força dessas palavras, é possível perceber que, para os gregos, a amizade era considerada de extremo valor ou, como diríamos hoje, algo que não tem preço, quando visto pela ótica do mercado.

Estabelecer e cultivar amizades exige uma atitude preliminar e imprescindível: estar bem consigo mesmo. Amar a si próprio é  condição básica para abrir-se a outros relacionamentos. A pessoa que não consegue amar a si mesma – empobrecida no sentimento do si-mesmo – terá dificuldade de encontrar amigos ou de se fazer amiga de outra pessoa. Amar a si mesmo é buscar o bem-estar (saúde) pessoal no nível físico, psíquico, espiritual e afetivo. É desenvolver a capacidade de voltar-se para si mesmo (introspecção) para conhecer seus limites, seus potenciais, suas carências, suas necessidades e suas contradições. Introspecção é voltar-se para dentro como condição básica para voltar-se aos outros.

É diferente do narcísico, que olha para si mesmo com um sentimento egocêntrico (introversão) e não é capaz de reconhecer a existência dos outros. Na experiência narcísica, a pessoa se torna um philautos, expressão grega que significa egoísta ou amante de si mesmo. Para cultivar amizades mais consistentes e duradouras, é necessário ser um philophron, ou seja, uma pessoa bem-disposta e amistosa.

No árduo e, ao mesmo tempo prazeroso processo de construção de laços afetivos, é tarefa básica procurar distinguir a amizade de outras relações interpessoais. Há indivíduos que se aproximam de outros com o objetivo de instrumentalizar a pseudo amizade e, dessa forma, tirar algum tipo de vantagem. É uma aproximação “utilitária”, que passa pela “venda” ou barganha de sentimentos e afetos. Hoje, especialmente nas redes sociais, há outro perigo: os simulacros da amizade que se sustentam nos espaços virtuais. Tem pessoas que se orgulham de ter milhares de “amigos”. Não quero aqui fazer apologia contra essas redes, pois sei que cumprem sua função: ajudam no resgate de antigas amizades, aproximam  pessoas conhecidas e permitem o contato com conteúdos que mostram pensamentos e formas diferentes de se entender a vida. Mas não se pode terceirizar as relações afetivas para os ambientes virtuais.

A amizade genuína é baseada em relações de afeto, de confiança e de cumplicidade. Acontece quando nos sentimos à vontade na presença do outro. Como dizia Mário Quintana: “é quando o silêncio a dois não se torna incômodo”. É ser íntimo sem ser invasivo. É estar próximo sem se tornar importuno. É se sentir acolhido em qualquer circunstância. É uma relação de iguais, sem subserviência.

Dr. Clovis Pinto de Castro, diretor da clínica Caminhos da Psicanálise.