Tive o privilégio de escrever o prefácio do livro “Brisa do Campo”, do artista plástico, escritor e amigo, Caetano Imbo. Não obstante ser uma obra direcionada ao público infanto-juvenil, é capaz de encantar também os adultos. Ao brincar com as cores e as letras, o autor nos coloca em uma aldeia no interior de Cacheu, Guiné-Bissau. Trata-se de uma história para ser lida e vivida. Repleta de cheiros, afetos, sabores, olhares, descobertas, espantos, sorrisos, lutas, sobrevivência e aprendizagens. Toca em temas sensíveis ao humano: fantasia, pertencimento, raízes, ancestralidade, educação, amizade, família, cuidado, singularidade. Como alquimista das palavras e das imagens, Caetano nos transporta para essa comunidade. Somos também um menino que acorda espantado no meio da noite diante de uma montanha de paçoca. Seres linguageiros tocados por um mistério.

Há um ditado africano que diz: “É preciso uma aldeia para se educar uma criança”. “Brisa do campo” nos mostra isso. Um saber não circunscrito aos conhecimentos teóricos ou aprisionado na esfera da utilidade. É saber ancestral transmitido no cotidiano: “nas rodas de conversa no círculo da fogueira” e ao “se embrenhar na mata cheia de galhos secos enfeitados com espinhos tal como alfinetes que ficavam cravados na sola dos pés”. Aprende-se com ouvidos e olhos atentos: “aprendia-se a exalar a essência das plantas, das ervas medicinais e o segredo das palavras contidas no olhar”. É mais que memorizar equações, fórmulas ou repetir palavras. Há um corpo sensível implicado na aprendizagem: “sentia-se o batucar de todos os órgãos”. Um corpo onde se dá o entrelaçamento entre o lúdico e as responsabilidades para lidar “com a natureza crua da vida”.

“Brisa do Campo” fala de um passado que se faz presente como memória afetiva. É da ordem de uma saudade, palavra tão singular da língua portuguesa. Saudade que se vive não na idealização de um tempo sem riscos. No dizer de Rubem Alves, é saudade como “presença de uma ausência”. Presença atualizada em um novo contexto histórico. Que nos remete aos desafios das famílias nucleares – reduzidas a duas, três, quatro pessoas – na educação das novas gerações. Onde corre-se o risco de terceirizar – aos especialistas de plantão com seus manuais prescritivos – as responsabilidades do âmbito parental. Há dimensões do cuidado que são intransferíveis. Nem todos os mistérios na vida de uma criança precisam ser respondidos. Não são da ordem do entendimento. Carecem apenas de acolhimento. Diferente do que alguns adultos imaginam, as crianças conseguem sustentar a falta de algumas respostas. Devem ser encorajadas a se colocar no mundo a partir da curiosidade, da interrogação. Nessa história-poesia do “Brisa do campo”, há a presença de um tio que, além das paçocas, ocupou um espaço importante na parentalidade e oportunizou ao menino a travessia para o mundo dos adultos. Um menino que aprendeu a deixar “os pensamentos pendurados na árvore, sempre querendo saber como as paçocas chegavam até ele”, e foi dar conta da vida na cidade grande. O mistério permaneceu e a vida continuou.

Clovis Pinto de Castro