Só se pode falar em democracia no singular. Não há democracias iguais. Nascem em contextos históricos, políticos, culturais, sociais e econômicos específicos. Surgem como possibilidades. São as democracias possíveis em suas impossibilidades.
No Brasil, a democracia idealizada no movimento ‘Diretas Já’, em meados da década de 1980, não foi a que se implantou de fato. Prevaleceu os interesses políticos e econômicos de uma oligarquia que dita os rumos do país há centenas de anos. De qualquer forma, foi um avanço. Hugo Assmann afirma que “Não deveria haver titubeio diante da preferência por processos democráticos. Mesmo os processos democráticos formais são preferíveis às formas autoritárias”.
Acreditamos também que, por mais enfraquecida, cambaleante e vulnerável que seja, a democracia é a melhor escolha. Governos fascistas e totalitários são o avesso de qualquer democracia. Um dos motivos da vulnerabilidade da nossa democracia, talvez o principal, é que – mais do que uma conquista – ela é uma concessão. Os militares estabeleceram um forte controle da ‘transição democrática’. Sua marca genética é a continuidade. Não ocorreu um colapso do regime militar. Tanto que, após tantos anos, ele continua firme e forte como o poder acima de todos os poderes. Em democracias sólidas, mesmo com tensões políticas entre direitas e esquerdas, os militares sabem qual é o seu lugar. Aqui, vivemos ‘sob uma concessão’. Sob a sombra de um passado que nos assusta e de um futuro incerto.
Enquanto vivermos sob essa concessão, continuaremos reféns de uma democracia que prioriza as esferas política e econômica e aprofunda o apartheid social.
Nossa democracia, capenga desde o seu início, está sem ar, quase na UTI. Só tem um remédio para colocá-la em um quadro mais estável. Medicamento que não pode ser importado. Não está à venda em farmácias. Custa caro, muito caro. É o preço de uma vida. Seu nome genérico é povo. Seu nome singular é sujeito desejante. São as Marias, Marielles, os Joãos, Josés…
Clovis Pinto de Castro e Dagmar Silva Pinto de Castro