Do mal(dito) ao bem(dito)
Recentemente, ao dar uma entrevista ao programa “Benção da Manhã”, da Tv Aparecida, lembrei-me do livro “Lacan Elucidado”, de Jacques-Alain Miller, quando diz: “Na análise não se dá bençãos, ‘ensina-se’ a dizer bem aquilo de que se fala, aprende-se um bem-dizer”. As bênçãos sempre estiveram presentes em diferentes culturas e expressões religiosas. No Brasil, elas ainda fazem parte da vida cotidiana de muitas famílias. Quando criança, antes de dormir, fazia parte do ritual pedir: “a benção, pai; a benção, mãe”. Na verdade, a gente dizia: “bença, pai, bença, mãe”. Ao responderem “Deus te abençoe”, garantiam uma noite de sono tranquila. Após a benção do pai e da mãe, o silêncio invadia a casa. Na manhã do dia seguinte, o ritual se repetia. Na psicanálise não há uma palavra que se possa oferecer ao sujeito como garantidora de uma noite tranquila ou de uma vida sem sobressaltos. Em análise, o sujeito deve se implicar em seu dito. Para Miller, “é imperativo para o analista distinguir sempre entre o enunciado e a enunciação, e paralelamente entre o dito e o dizer. Uma coisa é o dito como fato, e outra é o que o sujeito faz do que disse”. Falar – sem se implicar no que fala – coloca o sujeito em uma mal(dição). Fica preso no mesmo dizer, encapsulado nas narrativas envelhecidas que já não dão conta de seus impasses, do seu sintoma. Alguns, não são poucos, chegam na esperança de que, em algum momento, haverá uma benção. Uma palavra que poderá curá-los do seu sintoma. Uma ortopedia que ‘consertará’ seus corpos. Aos poucos, de deslocamento em deslocamento, percebem que não há ‘benção’ melhor do que aquela que o sujeito inventa para se haver com o seu sintoma. Como afirma Lacan, é o ‘savoir-faire’, é o saber o que fazer com o sintoma. É quando o sujeito sai da posição subjetiva que o alienou no mal(dito), na mal(dição), e passa a se bem-dizer. Essa benção não exclui a outra. Se faz bem para o sujeito, que seja duplamente abençoado!
Clovis Pinto de Castro
#análise #bemdizer #psicanálise #Miller #benção #sintoma #savoirfaire