Em seu livro “A condição humana”, a filósofa política Hannah Arendt faz uma distinção entre poder e força. A concepção de poder vem da palavra grega dynamis e do latim potentia, que possuem o caráter de potencialidade. Arendt faz distinção entre poder e força. Poder é o que mantém a existência da esfera pública. É compreendido como potência que passa a existir quando os humanos agem juntos para buscar o bem comum. Segundo Arendt, o “poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto [acordo]. O poder nunca é propriedade de um indivíduo”. Em sentido oposto, força é uma “qualidade natural do indivíduo isolado”. A força provoca a aspiração à onipotência, que implica na destruição da pluralidade. A força pode ser atributo de um indivíduo isolado ou quando este se junta a outros seres humanos para se apoderarem dos meios de violência. A força destrói o poder, mas jamais pode substituí-lo. A força pressupõe a onipotência de um indivíduo ou grupo e a impotência de outros. É mantida por meios violentos. Arendt recorda Montesquieu, quando este percebeu que a tirania tem como sua principal característica o isolamento do tirano em relação aos súditos, e deles entre si, através do medo e da suspeita generalizada. Para Arendt, “quando a principal esfera pública é a sociedade, há sempre o perigo de que – mediante uma forma pervertida de ‘agir em conjunto’`, por pressão e artimanhas e por manobras de pequenos grupos – subam ao primeiro plano os que nada sabem e nada podem fazer”. E por ‘nada saberem’, optam pela força e violência.
Como já nos alertava o psicanalista Hélio Pellegrino, em um artigo para o Correio da Manhã, em 1968: “O governo está disposto a tolerar uma democracia palaciana, de ante-salas e salões oficiais. Democracia de rua, com o povo nas ruas – a organizar o seu protesto – isto é que não. Para este tipo de atrevimento cívico que, na opinião dos militares, nada tem a ver com democracia, o remédio é conhecido: tiros, bombas de gás lacrimogênio, pancadaria selvagem, prisões arbitrárias, torturas, intimidações de toda a sorte”. A democracia se funda na potencialidade da pluralidade humana. Ruas e praças são seu habitat natural. Na impossibilidade de ocupá-las, pelo menos por enquanto, em função do isolamento social, cabe a cada um de nós – em sua singularidade criativa e responsável – criar ou ocupar espaços, tais como as redes sociais, os panelaços, a assinatura de petições coletivas. Nossa democracia é jovem, frágil e requer atenção permanente. Se não houver resistência “tudo será colocado em seu devido lugar”.
Clovis Pinto de Castro