No livro “A política do psicanalista – do divã para a pólis”, Antonio Quinet pergunta: “É possível escutar o que diz a pólis?”. Inverto a questão: “Há como não escutar o que diz a pólis?”. Faz parte do nosso ofício, como diz Lacan, escutar as subjetividades que se estabelecem no mal-estar da civilização a cada nova época. Não somos expectadores desimplicados nos dramas e tramas dos laços sociais. Nessa direção, Quinet apresenta algumas questões: “Como calar-se diante dos ataques aos sujeitos dessubjetivados e transformados em abjetos pela sociedade (…) calar-se diante dos discursos de ódio, de apologia à tortura, das políticas de segregação, e do empuxo-ao-linchamento daqueles que não marcham no mesmo passo do discurso do Outro como ideologia dominante?”. Ou calar-se diante “do discurso foraclusivo do capitalismo?”. Quinet pontua que essa presença-escuta não se circunscreve ao âmbito do psicanalista-cidadão, “mas do psicanalista na pólis orientado pelo desejo do analista de obter a pura diferença e pela ética do bem-dizer”. Escuta que deve ser acompanhada, conforme Quinet, de uma “crítica assídua tanto aos métodos de aviltamento e de abolição do sujeito em seus desejos e escolhas quanto aos ataques dos laços sociais e à devastação promovida por políticas da pulsão de morte” na pólis. Ao ler o livro do Quinet, lembrei-me do livro “A condição humana”, da filósofa Hannah Arendt, quando recupera a senha da colonização grega: “Onde quer que vás, serás uma pólis”. Para os gregos, pólis não se resumia à sua arquitetura, localização física, economia ou poder bélico. Pólis era apreendida como espaço da palavra, da ação, da aparição. Espaço público que pressupõe a condição humana da pluralidade e, segundo Arendt, “só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são empregados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades”. Testemunhamos no Brasil um processo acelerado de enxugamento, aviltamento, privatização e recrudescimento do espaço público. Quinet adverte que “o silêncio do analista nessas ocasiões talvez não tenha outro nome senão o terror conformista, expressão de Lacan para designar o conformismo associado ao medo e à pusilanimidade”. Diante desse cenário, cabe a nós sustentar uma escuta-transmissão pelo viés do desejo do analista e não pelo viés da moral ou dos discursos universais de responsabilidade social.
Clovis Pinto de Castro
Obs. O texto referenciado de Hannah Arendt está no livro “A condição Humana”.