Palavras de Freud no texto “A Transitoriedade”, um relato sobre os horrores provocados pela Primeira Guerra Mundial. Ele viveu as dores do seu tempo e conseguiu transpô-las numa sensível narrativa sobre o luto de seus contemporâneos diante de tantas perdas. Freud constata que a guerra “mostrou nossos instintos em toda a sua nudez, libertou os maus espíritos que existem em nós, o que julgávamos dominados para sempre, por séculos de educação”. Apesar de ser um texto datado e assinado, pode ser emprestado para manifestar nosso mal-estar frente aos horrores e as perdas, simbólicas e concretas, experimentadas nesse tempo de pandemia. No final do texto, Freud observa que “o luto, por mais doloroso que seja, acaba naturalmente. Tendo renunciado a tudo que perdeu, ele terá consumido também a si mesmo (…) Superado o luto, perceberemos que a nossa elevada estima dos bens culturais não sofreu com a descoberta de sua precariedade. Reconstruiremos tudo o que a guerra destruiu, e talvez em terreno mais firme e de modo mais duradouro do que antes”. Freud estava correto. O mundo se reconstruiu depois de duas grandes guerras mundiais. Temos nossas dúvidas se foi em um “terreno mais firme”. Assim como Freud, que possamos esperançar por um mundo novo. E que não seja simplesmente o “novo normal”.
Clovis Pinto de Castro
Dagmar Silva Pinto de Castro
Fonte: Freud, Sigmund. A Transitoriedade [1916], Obras Completas, volume 16, Companhia das Letras, 2010.