A pandemia provocada pelo coronavírus nos coloca novamente diante da finitude humana. Michel de Montaigne dizia que: “Ensinar os homens a morrer é ensiná-los a viver”. No final da década de 1980, assisti “Asas do Desejo”, do diretor Wim Wenders, premiado em Cannes, e considerado um dos mais inquietantes filmes sobre a condição humana. Mais tarde, foi adaptado por Hollywood em “Cidade dos Anjos”.
Retrata a relação entre os anjos, seres eternos e imortais, e os humanos, seres finitos e mortais. As cenas em que os anjos aparecem estão em preto e branco para simbolizar um mundo sem emoções e regado pelo tédio de uma eternidade opaca. São seres desencarnados, assexuados e, de acordo com o crítico de cinema, Marcelo Vinícius, “condenados a testemunhar com inveja a encarnação alheia”. Um deles, Damiel, ao se apaixonar por uma mulher, opta pela finitude. Demonstra não suportar mais o peso de uma “eternidade sem cor”. Ele quer vivenciar as emoções que são próprias aos humanos.
Mário Quintana dizia sobre o nosso fim: “…a libertação total: a morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos”. É quando nos desobrigamos de normas e regras, das exigências do cotidiano, das ocupações e preocupações próprias do viver, entre elas, o medo de morrer. Mas, é também a ausência total do que faz pulsar nossas veias, que alimenta a nossa alma e renova o nosso espírito: amar, desejar, querer, não querer, sentir medo, frio, tocar e se deixar tocar, pagar contas, acordar, recordar, bater papo com os amigos, esperançar e tantos outros sentimentos ou ações que dão sentido e beleza à nossa vida.
Era isso que o anjo Damiel desejava. Simplesmente, ser mortal. O poema “Minha Morte Nasceu”, Mário Quintana, fala da morte como algo que nos acompanha desde o nascimento: “E dançamos de roda ao luar amigo na pequenina rua em que vivi”. Quando a morte é encarada como realidade da qual não se pode fugir, ela se torna sábia companheira e nos lembra que cada instante da vida pode ter o sabor de uma vida inteira.
Clovis Pinto de Castro