Instigado por Tati Bernardi, em sua coluna para a Folha de São Paulo dessa semana, comprei o livro “Lacan ainda, testemunho de uma análise”, da escritora e psicanalista Betty Milan, uma das pioneiras da psicanálise lacaniana no Brasil, e tradutora do primeiro seminário de Lacan em língua portuguesa: “Os escritos técnicos de Freud”. Em sua nova obra, Milan narra os três tempos da sua análise com Jacques Lacan na década de 1970. Procurou o ‘Doutor’ porque desejava curar-se de si mesma. O livro é um relato sucinto de uma epopeia. Não darei spoiler. Recorto apenas algo que ressoou em mim: o uso do corte e do tempo lógico das sessões conduzidas por Lacan. O corte como “suspenção de uma fala encobridora”. Ponto de basta ao infinito da cadeia significante. Maneira de transferir ao analisando a possibilidade de se analisar e de se implicar em seus ditos e desejos. Lacan “desautorizava o desperdício e por isso se recusou a trabalhar com o tempo do relógio. Não era o tempo cronológico, o tempo linear de Cronos, que o guiava e sim o tempo de Kairós, o do momento fugaz em que uma oportunidade se apresenta e deve ser aproveitada”. Selecionei alguns trechos do livro que evidenciam esse fio condutor: o manejo do corte lógico-temporal: “O relógio ali era tão secundário quanto o tamanho do poema para a poesia”; “Como os poetas, Lacan se valia do tesouro da língua para fazer muito com pouco”; “Lacan não estava ali para responder à demanda de amor incondicional, mas para fazer o analisando assumir o seu desejo e ir em frente com ele, dando um sentido novo à sua vida”; “Depois de um silêncio prolongado, eu disse que não me entendia e o Doutor deu a sessão por encerrada. Para ele, o essencial não era eu me entender, mas ter falado para depois encontrar o sentido”; “Ali [no consultório] a resistência ao desejo podia ser vencida e a vida, reinventada. Lacan não aceitava que o tempo fosse desperdiçado, mas acolhia sempre quem estivesse disposto a se analisar e a renunciar ao gozo da ignorância”.
Betty Milan diz que a análise com Lacan não a curou definitivamente da angústia, mas mudou a sua vida. Isso não é pouco.
Clovis Pinto de Castro
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