“A hora de viver é um ininterrupto lento rangido de portas” (Clarice Lispector).
Na poesia “No meio do caminho”, Carlos Drummond de Andrade diz: “no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”. Parafraseando Drummond, podemos dizer: “no meio do caminho tinha uma porta”. Há muitas portas nos caminhos da vida. Algumas não são visíveis. São metáforas de oportunidades, mudanças, encerramento de ciclos ou novos horizontes.
Descobri, recentemente, no livro Palavra, Parábola, de Rômulo Cândido de Souza, que a palavra porta em hebraico, petah, tem origem no verbo patáh, que pode ser traduzido por abrir, romper, livrar, começar. Petah sinaliza também abertura no âmbito cognitivo, isto é, de espírito e de entendimento. Aponta, entre outras coisas, para aquilo que se abre diante dos olhos.
Na passagem do ano, estaremos diante de uma porta simbólica. É por onde entraremos em um novo ano. Momento de renovar as promessas não cumpridas, nomear novos desejos e buscar aqueles ainda não realizados. Muitos podem estar pensando: “Quero esquecer esse ano. Foi um dos piores da minha vida. Vou fechar a porta e jogar a chave fora”. Como sabemos, esquecer é impossível. Mas é possível transformar as experiências, mesmo que amargas, em aprendizados. Crescemos também por meio dos enfrentamentos, lutos, derrotas, assim como crescemos com as vitórias e conquistas. Portas se abrem, portas se fecham, e a vida segue em frente. A única porta que, quando fechada, nos tira do jogo da vida é a morte. Por isso que Sigmund Freud, no texto Nossa atitude perante a morte, afirma: “Se queres aguentar [suportar] a vida, prepara-te para a morte”. Enquanto estamos vivos, cabe a nós continuar inventando e nos responsabilizando pelos caminhos que poderão nos sustentar e nos colocar diante de novos horizontes.
Jorge Forbes aponta dois pontos importantes diante das portas que o ano novo coloca diante de nós. O primeiro tem a ver com os nossos desejos. Ele indaga: “Você quer o que deseja?”. Nem sempre queremos o que desejamos. O segundo ponto é o “inexorável da surpresa”. Para Forbes, “os obsessivos só querem o que não desejam, pois assim não arriscam perder o que lhes é mais precioso, mantendo-o escondido a sete chaves. As histéricas – eternamente insatisfeitas com o que obtém, desejam sempre uma outra coisa. Querer o que se deseja implica o risco da aposta. E toda decisão é arriscada”.
Que possamos, nesse novo ano, continuar suportando os nossos desejos e convivendo com tudo aquilo que é da ordem do inexorável da surpresa. Que o sentido de abertura contido na expressão petah se faça presente em nosso cotidiano. Assim, poderemos nos abrir a novos horizontes. Lembrete: algumas portas nem tem chaves, basta empurrá-las. Feliz Ano Novo!
Dr. Clovis Pinto de Castro, diretor da clínica Caminhos da Psicanálise.