“Se não se espera, não se encontrará o inesperado, pois ele não é encontrável e é sem acesso” (Heráclito de Éfesos).
É comum no final do ano a repetição de pequenos rituais em busca de proteção, sorte, paz, felicidade, harmonia. Pular sete ondas no mar, comer sementes de romã, usar roupa branca. A lista é grande e varia de acordo com a região ou o país. São formas populares de conjugação do verbo esperançar. É o anseio por dias melhores. Quando o ritual falha ou não se mostra tão eficaz, é comum a expressão: “É que eu não fiz tudo certinho, não segui as orientações corretamente. No ano que vem dará certo”. Os rituais em si não apresentam nenhuma contraindicação. Fazem parte da cultura popular. O perigo é vê-los como asseguradores de uma vida sem sobressaltos. Desde Freud, a psicanálise faz duras críticas a qualquer tipo de ilusão que desimplique o ser humano do processo de dar conta de si e de sua relação com o mal-estar da civilização. Esperançar não deveria ser transferência de responsabilidades: “Já pulei as setes ondas. Agora, é só esperar”. Heráclito de Éfesos, primeiro filósofo a trabalhar a dialética das coisas sensíveis, aborda a questão da esperança por um viés diferente: “Se não se espera, não se encontrará o inesperado, pois ele não é encontrável e é sem acesso”. Em outras palavras: “como encontrar o (in)esperado sem estar em movimento?”. Para a psicanálise lacaniana, é preciso colocar os pés no caminho como sujeito desejante. Afinal, somos seres atravessados pelo desejo – força que nos puxa para dentro da vida e nos coloca em ação. Desejar é diferente de querer tomar um soverte de limão, vontade consciente que se resolve indo à padaria. É só pagar e, pronto, está resolvido. Desejo é algo que implica o sujeito. É da ordem do inconsciente. Exige mais do que ir à padaria ou ao mercadinho da esquina. Tomado pelo ‘desejo de’, o sujeito percebe que não dá para continuar refém das respostas repetitivas que inventou para se ausentar da vida. Coloca os pés em ‘direção a’, sem precisar de uma estrela guia e sem se justificar aos outros. Não mais perdido e alienado no desejo dos outros, se autoriza a caminhar sabendo que, se precisar corrigir a rota diante do inesperado do caminho, tudo bem. É só corrigir. Não será mais tomado pela angústia paralisante porque algo não seguiu o protocolo. O desejo não segue protocolos. Que o (in)esperado de 2021 te encontre no caminho!
Dagmar Silva Pinto de Castro
Clovis Pinto de Castro