No último post falei sobre o novo livro de Betty Milan, “Lacan ainda, testemunho de uma análise”, da Zahar. Havia destacado o manejo de Lacan no uso do corte e do tempo lógico das sessões. Na mitologia grega havia diferentes narrativas e palavras para falar do tempo, entre elas, cronos e kairós. Cabia ao Deus Cronos controlar o tempo entre o nascimento e a morte. Além de sua presença implacável no cotidiano, mais cedo ou mais tarde, todos teriam que enfrentá-lo na última estação da vida: a morte. Cronos é o tempo fugidio que se esvai pelas nossas mãos. É o tempo cronológico que nos controla pelas horas, minutos, segundos e nos dá a consciência de que somos seres finitos. Kairós é o tempo que não se mede. É o tempo que o relógio não consegue registrar. É tempo oportuno. Na mitologia grega era representado por um jovem com asas nas costas e nos tornozelos, que voava apressado, com uma mecha de cabelos na parte frontal da cabeça e calvo na parte posterior. Quando passasse pelas pessoas, só poderia ser agarrado pela frente. Quem perdesse a chance, não mais conseguiria segurá-lo, a não ser em outro momento oportuno. Há alguns anos, a jornalista Eliane Brum contou uma história que nos remete ao sentido dos tempos cronos e kairós: “Meus tios buscavam as horas a cavalo. Na casa da zona rural era missão dos mais velhos dar corda no relógio de parede. Mas acontecia de alguém esquecer sua tarefa e, no espaço de uma batida, o som da passagem da vida cessava. Antes que o mundo se desarranjasse, meu avô despachava um filho para a cidade. Dava a ele seu relógio de bolso, sempre parado até essas emergências temporais”. No final da história, Eliane Brum conta que seu tio encontrava as horas em um relógio fixado na torre de uma igreja e, depois de “guardar as horas no relógio de bolso, galopava de volta com o tempo enfiado nas calças. E o coração da casa voltava a bater lembrando que a vida acaba”. Brum, quando fala da presença do cronos na vida de sua família, o faz em uma dimensão kairótica. Ao introduzir o corte e o tempo lógico nas sessões, Lacan mostra que uma análise não pode ficar refém do tempo cronológico. Esse se faz presente – até porque não há análise fora do tempo – mas não pode ditar as regras do jogo. Ficar nos limites do cronos é tentar ‘garantir’ que o mundo não se desarranje. Tentativa sempre fracassada. Ser analista requer escutar o tempo oportuno, o tempo kairótico, que irrompe nos ditos marcados pelo cronos.
Clovis Pinto de Castro, psicanalista.