Costumo coletar pedras como recordação de lugares que visito no Brasil e em outros países. Pequenas pedras jogadas nas ruas, praças ou terrenos próximos aos locais visitados. Não têm qualquer valor econômico. São da ordem dos valores afetivos e simbólicos. Uma delas, trouxe da Robben Island, onde Nelson Mandela passou 18 dos 27 anos em que esteve preso na África do Sul. Quando fui conhecer uma das pedreiras onde ele fatigava o seu corpo diariamente quebrando pedras de calcário, escolhi uma pequena pedra que se tornou para mim símbolo de um sujeito que sustentou suas escolhas até às últimas consequências. Ao mexer nessas pedras recentemente, lembrei-me da ênfase que Mandela dava à dimensão pública da liberdade. Em seu discurso de posse como presidente, afirmou: “Cultivo minha própria liberdade carinhosamente, mas cuido ainda mais da nossa liberdade. Tantos têm morrido desde que deixei a prisão. Tantos têm sofrido pelo amor à liberdade. Devo isso às suas viúvas, aos seus órfãos, às suas mães e aos seus pais, que enlutaram e sofreram por eles.” Ele aponta para algo que é um dos pressupostos da psicanálise: o sujeito do desejo não está alijado do sujeito coletivo. Freud, especialmente no texto “O mal-estar da civilização”, mostra que não há sujeito individual sem o sujeito coletivo. Somos atravessados pela civilização. É no palco da pluralidade humana que existimos. A psicanálise não promove o divórcio entre indivíduo e sociedade. Por isso, como diz Mandela, cabe a nós cuidar carinhosamente da liberdade pessoal e zelar ainda mais pela liberdade coletiva. Não há uma sem a outra. Nesse momento de isolamento social, imposto pela pandemia, corre-se o risco de um recolhimento perigoso à intimidade da vida privada como processo garantidor de uma liberdade que não passa pelos laços sociais. A defesa insana da felicidade encapsulada no indivíduo coloca em risco a democracia e a nossa liberdade. Estar em casa, responsavelmente seguindo as orientações da OMS, não deve ser impedimento para estar no mundo e com o mundo. As possibilidades de conexão são múltiplas. Zelar pela república é tarefa urgente. Afinal, testemunhamos no Brasil um processo acelerado de privatização do espaço público, marcado por uma corrupção endêmica, pelo descaso com o bem comum, por palavras e práticas agressivas, intolerância e desrespeito à diversidade. É a propagação e a imposição de modos de convivência marcados pela estética fascista. Nesse cenário, de esvaziamento da esfera pública, a psicanálise é convocada a se tornar mais uma vez uma presença que denuncia o terror. Como aponta Lacan, “a psicanálise deve alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época”. O que está em jogo no Brasil – e em diferentes partes do mundo – é a (nossa) liberdade.
Clovis Pinto de Castro