Quando menino, era comum sonhar que estava voando. Não me lembro de ter asas em meus sonhos. Às vezes, acordava com sentimento de liberdade. Em outras ocasiões, com medo. Essa experiência me recorda um ditado popular: “Alguns, viajam para fugir. Outros, viajam para buscar”. Asas podem simbolizar o desejo de fuga, em função do medo, ou de rupturas de situações que nos alienam de nós mesmos. Nesse sentido, as asas ganham um novo significado: a capacidade humana de transcender. É quando percebemos que a repetição das velhas respostas e lamentos não dá conta de questões fundantes do nosso ser. Como afirma Jorge Forbes, “há pessoas que sofrem para não sofrer”. Precisamos ter asas para ousar na criação de novas respostas e sair dos lugares estreitos. É inventar respostas e nos responsabilizarmos por elas.
O rabino Nilton Bonder, no livro “A Alma Imoral”, recupera o sentido etimológico da palavra Egito (no hebraico, ‘mitsraim’): “lugar estreito”. A fuga dos hebreus do Egito – em busca da terra prometida – é uma bela metáfora do desejo recorrente aos humanos: fugir dos “lugares estreitos” – que limitam, angustiam, incomodam e paralisam – para ir em busca de lugares alargados. Mesmo que os lugares alargados possam um dia se tornarem estreitos, terá valido a busca. Para Bonder, “saber entregar-se às contrações do lugar estreito rumo ao lugar amplo é um processo assustador, avassalador e mágico”. Desde o momento que deixamos o útero materno – espaço amplo e aconchegante – que se transforma, pelo nascimento, em lugar estreito, passamos a desejar asas. Assim é a vida.
Dr. Clovis Pinto de Castro, diretor da clínica Caminhos da Psicanálise.