Há alguns anos, recebemos do amigo, Luiz Carlos Ramos, uma mensagem de Natal com o título: “Um menino nasceu, o mundo tornou a começar”, onde narra uma situação inusitada vivida por Riobaldo, personagem do livro “Grande Sertão: veredas”, de Guimarães Rosa: “Riobaldo atravessava os ermos da caatinga quando ouviu os gemidos de parturiente que vinham de um misérrimo casebre, enterrado na solidão. A mulher estava só, com suas dores e seu ventre inchado. Não obstante suas andanças o tivessem preparado mais para agente funerário que para obstetra, naquela noite o jagunço não teve escolha, a força irresistível da vida o convertera em parteira”.
Fadado a conviver com a realidade da morte, Riobaldo se vê impactado pelo ventre onde pulsa uma nova vida. As mãos talhadas pela dureza da caatinga se tornam o meio pelo qual uma criança vem ao mundo. “Pelas mãos de um jagunço, no fundo do sertão, mais uma criança saltou para dentro da vida”.
Em seu livro “O amor romântico e outros temas”, Dante Moreira Leite levanta a hipótese de “Grande Sertão: veredas” ser lido como “a longa e (talvez interminável) sessão psicanalítica de Riobaldo”. Trata-se de um outro parto: o de si mesmo. Atravessa o sertão para lidar com suas ambiguidades, contradições, repetições, seus estranhamentos. Se depara com questões próprias da existência: o acaso, a morte, o desejo, a transitoriedade, o destino. É uma travessia onde, aos poucos, se desloca de uma ‘destinação’ (ser jagunço) para inventar um lugar para si.
Para Riobaldo “O sertão está em toda parte… o sertão é do tamanho do mundo” (…) “Sertão é isto, o senhor sabe: tudo incerto, tudo certo”; Sertão: é dentro da gente”. Cada um tem seu próprio sertão. Sua travessia é tarefa intransferível para aqueles e aquelas que desejam saltar para dentro da vida!
Dagmar Silva Pinto de Castro
Clovis Pinto de Castro